OS RIOS DA TRANSCENDÊNCIA DE GUIMARÃES ROSA E MIA COUTO

Cristian Pagoto, Ariane Queiroz Pereira

Resumo


Nosso objetivo é investigar a temática da água e do tempo nos contos A terceira margem do rio (1962), de João Guimarães Rosa, e Nas águas do tempo (1994), do autor Mia Couto. As duas estórias dialogam sobre as questões da vida e da morte a partir da representação da travessia pelo rio, e sobre a experiência diante o tempo. Para compreendermos a presença da água como um elemento material, que revela a substância e o destino dos personagens, utilizaremos o estudo de Gaston Bachelard (1997), A água e os sonhos. A água representa a renovação da ancestralidade, fazendo referência aos tempos sagrado e profano. O aporte teórico para a compreensão do tempo sagrado e profano será Mircea Eliade (2008), que define a experiência do homem religioso como mysterirum tremendum e mysterium fascinans, duas experiências que estão representadas na vivência dos personagens e os conduzem a outra possibilidade de real. O pai e o avô, respectivamente personagens de Guimarães Rosa e Mia Couto, ao realizarem a travessia pelas águas desestabilizam as margens conhecidas e promovem uma reflexão sobre o ser e o estar no mundo.

 

DOI: https://doi.org/10.47295/mren.v10i6.3438


Palavras-chave


Rio. Tempo. Transcendência.

Referências


“Todos os rios do mundo de Guimarães Rosa têm três margens” (RONAI, 2005, p.31).

“Marcou-me especialmente (o conto) A Terceira Margem do Rio. Aquilo foi um abalo sísmico na minha alma, porque ali estava o que eu e outros estávamos procurando” (COUTO, 2016, s/p.).

“envolve-se numa aura mágica, num halo de maravilhosa ingenuidade, que as torna visceralmente diferentes de quaisquer outras” (RONAI, 2005, p. 22).

“território onde todo homem é igual, assim; fingindo que está, sonhando que vai, inventando que volta” (COUTO, 2012, p. 6).

“Para Guimarães Rosa, não há, de um lado o mundo, e, de outro, o homem que o atravessa. Além de viajante, o homem é a viagem – objeto e sujeito da travessia, um cujo processo o mundo se faz” (NUNES, 2013, p. 85).

“a engravidar o tempo”. No mais íntimo do povo moçambicano sobreviveu algo que a violência, a guerra e a barbárie não conseguiram destruir, lugar privilegiado e sagrado, lugar em que “a terra guardou, inteiras, as suas vozes” (COUTO, 2012, p. 6).

“A água é um convite à morte; é um convite a uma morte especial que nos permite penetrar num dos refúgios materiais elementares” (BACHELARD, 1997, p. 58).

“há um modo de estar em silêncio que corresponde a um modo de estar no sentido e, de certa maneira, as próprias palavras transpiram silêncio” (ORLANDI, 2007, p. 11).

O rio inverte o seu curso no momento da morte das personagens – inversão percebida somente por elas – é o tempo da vida que retorna às suas origens: corre para a fonte ou, no conto que analisamos, deságua no grande lago de onde teria surgido o primeiro homem (SILVA, 2010, p. 6).

“o da razão ou racionalidade absoluta de uma decisão irrevogável, por absurdo, uma ilustração daquela tese de Chesterton, em Ortodoxia, de que a razão total equivale à total loucura” (NUNES, 2013, p. 290).

“Não nos banhamos duas vezes no mesmo no rio, porque, já em sua profundidade, o ser humano tem o destino da água que corre. A água é realmente o elemento transitório. É a metamorfose ontológica essencial entre o fogo e a terra. O ser votado água é um ser em vertigem” (BACHELARD, 1997, p. 7).

“existe, sob as imagens superficiais da água, uma série de imagens cada vez mais profundas, cada vez mais tenazes” (BACHELARD, 1997, p. 6)

“Desaparecer na água profunda ou desaparecer num horizonte longínquo, associar-se à profundidade ou à infinitude, tal é o destino humano que extrai sua imagens do destino das águas” (BACHELARD, 1997, p. 14).

“morrer é verdadeiramente partir, e só se parte bem, corajosamente, nitidamente, quando se segue o fluir da água, a corrente do largo rio” (BACHELARD, 1997, p. 77).

“O universo sensível é um universo infinitamente pequeno. Os devaneios e os sonhos são, para certas almas, a matéria da beleza” (BACHELARD, 1997, p. 8).

“o lago tem suas fronteiras bem delimitadas. Isso implica o fato de que a água do rio que ali chega, ali permanece. [...] metaforizado pelas águas que o tempo decorre numa circularidade que permite a sua permanência – ou o seu retorno” (SILVA, 2010, p. 141).

“o destino das imagens da água segue com muita exatidão o destino do devaneio principal que é o devaneio da morte” (BACHELARD, 1998, p. 8).

Descobre-se o sentimento de pavor diante do sagrado, diante desse mysterium tremendum, dessa majestas que exala uma superioridade esmagadora de poder; encontra o temor religioso diante do mysterium fascinans, em que se expande a perfeita plenitude do ser. [...] O numinoso singulariza-se como qualquer coisa de ganz andere, radical e totalmente diferente: não se assemelha a nada de humano ou cósmico; em relação ao ganz andere, o homem tem o sentimento de sua profunda nulidade, o sentimento de “não ser mais do que uma criatura” (ELIADE, 2008, p. 16, grifos do autor).

O tempo sagrado é por sua própria natureza reversível, no sentido em que é, propriamente falando, um Tempo mítico primordial tornado presente. Toda festa religiosa, todo Tempo litúrgico, representa a reatualização de um evento sagrado que teve lugar num passado mítico, “nos primórdios”. Participar religiosamente de uma festa implica a saída da duração temporal “ordinária” e a reintegração no Tempo mítico reatualizado pela própria festa. Por consequência o Tempo sagrado é indefinitivamente recuperável, indefinidamente repetível. [...] É um tempo ontológico por excelência, “parmenidiano”: mantem-se sempre igual a si mesmo, não muda nem se esgota (ELIADE, 2008, p. 63-64, grifos do autor).

“Cada mito mostra como uma realidade veio à existência, seja ela a realidade total, o Cosmos, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, uma instituição humana” (ELIADE, 2008, p. 86).

“o homem das sociedades primitivas não se considera ‘acabado’ tal como se encontra no nível natural da existência: para se tornar um homem propriamente dito, deve morrer para esta vida primeira (natural) e renascer para uma vida superior, que é ao mesmo tempo religiosa e cultural” (ELAIDE, 2008, p. 152).


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